Uma viagem à Yarza

Khirbet Yarza é uma comunidade palestina localizada no Vale do Jordão (VJ), Cisjordânia, território Palestino ocupado (tPo). Atualmente composta por cerca de 80 pessoas divididas em 13 famílias, a aldeia já foi lar para mais de 120 famílias no período anterior à Guerra Árabe-Israelense dos Seis Dias em junho de 1967. Yarza fica ao norte do VJ, seus moradores vivem de agricultura e pastoreio e as maiores questões relatadas pela comunidade estão atreladas às ordens israelenses de demolições e confisco, aos treinamentos militares e à falta de serviços básicos.

Você pode se perguntar: mas por que Yarza foi a escolhida da vez já que aparentemente ela sofre dos mesmos problemas que outras aldeias? Bom, o trabalho de campo dos EAs é bem intenso e, particularmente no Vale do Jordão, isso quer dizer dirigir por mais de uma hora todos os dias pelo território para alcançar as comunidades de mais difícil acesso sendo elas, também, as que mais sofrem violações de direitos humanos. O tempo dentro do veículo também é de aprendizado já que memorizamos as comunidades palestinas, os assentamentos israelenses, as bases militares, as palmeiras e plantas cultivadas na região.

A viagem à Khirbet Yarza foi a mais longa feita pelo nosso time, só os últimos 7 km demoram mais de meia hora. Os territórios da Palestina e do Vale do Jordão são muito menores do que o brasileiro. Para ter-se uma ideia, a Cisjordânia é considerada o 163º país de maior extensão territorial enquanto o Brasil é o quinto. O caminho até Yarza é muito montanhoso e cheio de vistas deslumbrantes.

O primeiro sentimento ao se chegar em Yarza foi que esse era o local mais bonito visitado pela nossa equipe na Palestina. É uma beleza ímpar, especialmente durante os meses de chuva, quando as montanhas florescem majestosamente. Tivemos um sentimento de que ali era um lugar especial. E é mesmo, mas por razões diferentes. Ao conversar com o representante do conselho local, Mukhlis Masaeid, percebe-se que o local premiado com a maior beleza por nós EAs do VJ esconde uma tristeza enorme. Muitos artefatos da ocupação israelense somam-se naquele lugar. Não há brecha para Yarza.

A realidade da comunidade é de treinamentos militares ainda mais rotineiros, quase que diários. Aqueles maiores que envolvem tanques de guerra e demais equipamentos pesados ocorrem duas vezes na semana, segundo o senhor Mukhlis. A violência dos treinamentos militares em Yarza resultou, por exemplo, em balas perdidas alojadas há décadas nos corpos dos pais do representante de conselho. À noite também não há paz. As Forças de Defesa Israelenses (FDI) – o exército israelense – invadem lares rotineiramente como parte dos treinamentos. Às vezes prendem alguém e às vezes não. Relatos das comunidades afirmam que esse método utilizado resulta em pessoas perdendo a capacidade de dormir e descansar, o que gera um nível de stress e angústia constantes, especialmente nas crianças. O senhor Mukhlis afirma que a comunidade é utilizada pelo exército israelense como experimento.

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Mukhlis, Khirbet Yarza –  ©EAPPI/DF

Yarza faz parte do governo de Tubas, cidade referência para aldeias menores da região. De acordo com o representante do conselho local, as FDI já demoliram a estrada que conecta Yarza à Tubas cinco vezes, demoliram a mesquita da comunidade três vezes e praticam demolição de casas e abrigos para ovelhas rotineiramente. O sistema extremamente rígido de permissões emitidas pelo estado de Israel não permite com que a comunidade construa uma escola nova, assim afastando pais de seus filhos que são obrigados a morarem em Tubas. Além das ordens de demolições e de cessar construções, recentemente, Yarza recebeu uma ordem de confisco de terra. A ordem especifica a apropriação de centenas de milhares de metros quadrados de terra palestina.

Também tivemos a oportunidade de conhecer os pais do senhor Mukhlis, idosos palestinos que guardam consigo lembranças das gerações anteriores que viveram em território palestino antes da criação de Israel. O pai e a mãe carregam em si a dor da ocupação, dentro de seus corpos, existem balas israelenses alojadas há anos. Eles afirmam viver o desgaste e a injustiça da ocupação.

Ao nos relatar a história de Yarza, o representante do conselho local também nos mostrou a vista do ponto mais alto da comunidade. Lugar onde testemunhamos os primeiros fogos do período da seca. Durante os meses mais quentes e secos do ano, os treinamentos militares que envolvem tiros e bombas possibilitam o alastro de fogos no Vale do Jordão. Eles resultam na queima de agriculturas e prejudicam a vida e economias locais.

Conhecer Khirbet Yarza foi, assim, uma experiência muito forte. O encanto permanece mas é diferente. Yarza continua sendo linda mas agora ela tem uma beleza dura, cheia de espinhos. A tristeza e indignação na narrativa palestina, no entanto, acompanham afirmações de resiliência e luta. Existir é resistir.

Fatima Odeh
EA do Grupo 75, Vale do Jordão.

 As opiniões aqui expressas são pessoais e não refletem necessariamente o entendimento do Programa de Acompanhamento Ecumênico na Palestina-Israel. Para publicar este texto ou citá-lo em outra fonte, por favor contatar a Coordenação Nacional do PAEPI através do  email paepibrasil@gmail.com.

Obrigada(o).

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